No cenário brasileiro pouco se fala ou se discute sobre determinados assuntos que deveriam figurar com mais frequência nas pautas acadêmicas, legislativas, dentre outros setores, considerando o fato de estarem presente no nosso cotidiano e impactar diariamente vida atual e futura das pessoas.
Um desses assuntos é a utilização da IA (Inteligência Artificial) que vem praticamente sendo utilizados nos mais variados ramos da sociedade e em muitos casos substituindo os seres humanos por robôs.
Era comum, a bem pouco tempo atrás, as pessoas passarem praticamente uma vida na mesma empresa executando tarefas operacionais repetitivas, dentro de um contexto de segurança e manutenção de trabalho. Essa zona de conforto foi atacada com avanço da revolução industrial, e atualmente, com as mudanças drásticas que as novas tecnologias nos impõem, é quase impossível dizer que alguma carreira estará a salvo da automação.
Se antigamente era preciso um corpo de pessoas para localizar documentos e livros, checar jurisprudência, analisar decisões, hoje existem ferramentas que realizam isso em questão de minutos. A capacidade de a IA aprender com o comportamento humano nos permite hoje ter automações que quantifica o êxito dessa ou aquela tese e ainda prever o comportamento dos órgãos judicantes. Na esfera industrial, como a automobilística, por exemplo, boa parte do processo produtivo é realizada por robôs e a cada ano vem diminuindo o número de empregados nas fábricas.
É obvio que em alguns casos a IA não consegue substituir integralmente um ser humano, principalmente quando é necessário replicar parte de habilidades intelectuais e cognitivas avançadas, já que a decisão ao toque do “calor humano” é algo impossível de replicar. Se assim não fosse, não precisaríamos de pilotos de aviões, pois existe o “piloto automático” que pode realizar o transporte de um destino ao outro facilmente. Porem, em situações de estresse e turbulências já foi provado que um robô não consegue pousar na água, num campo aberto, em uma montanha, e salvar vidas, como já aconteceu em alguns casos reais.
O fato é que a inteligência artificial está revolucionando a economia e continuará assim nos próximos anos, incrementando a produção de bens e serviços, mas mesmo tempo retirando trabalhos considerando habituais e conhecidos, para a criação de empregos que nem sequer existem ainda.
Nesse contexto, é necessário debater o quanto isso influencia os aspectos da tributação. Veja, se as pessoas estão sendo substituídas por robôs, é obvio que isso afeta o consumo, principalmente em países onde a renda é mais baixa, concentrando o poder aquisitivo no detentor da tecnologia. Se você parar para analisar, atualmente as pessoas mais ricas do mundo estão no setor tecnológico. Se as pessoas estão sendo substituídas e não estão sendo empregadas em outros meios de trabalho é obvio que o consumo tende a diminuir.
No Brasil isso seria relevante considerando que a nossa tributação é basicamente toda atrelada ao consumo e pouco em renda. Tributar o consumo repercute sobre quem consome tais produtos ou serviços porem a IA não consome nada, ao contrário dos humanos. Ou seja, considerando os avanços tecnológicos, é mais evidente a discussão sobre a descontinuação e ineficiência das teses de tributação sobre consumo.
O desafio atual é tentar solucionar essa equação tributaria onde as tecnologias cada vez mais concentram riqueza para as poucas pessoas detentores/criadoras, em simultâneo, em que extingue atividades que antes eram consideradas laborais. Ao mesmo tempo que a IA traz relevante ganhos de escala nos negócios e ela também ajuda a concentrar riqueza eliminando postos de trabalho e não trazendo arrecadação, já que ainda não temos conceitos e base legal solida para atrair a tributação justa sobre esse desenvolvimento.
O Brasil está atrasado no cenário mundial de tributação da economia digital, pois focamos largamente a discussão no nosso cenário interno sobre tributos sobre o consumo, e diga se de passagem sobre uma população com baixo índice per capita. O debate se concentra ainda na disputa de competências tributárias entre estados e municípios, mais precisamente entre o ICMS e o ISS. Enquanto o mundo está discutindo o futuro de tributação diante da tecnologia da IA, os tribunais brasileiros ainda discutem o conceito de receita, mercadoria, serviços, etc.
O primeiro grande desafio para tributar a IA, e assim como outras tecnologias, reside na definição conceitual, de modo que se possa estabelecer um norte para os aplicadores do direito determinarem o fato gerador, sujeito passivo, base de cálculo e demais componentes da obrigação tributária. Porem, para isso é necessário rever os autuais tributos, pois não tem como o “novo” funcionar com ferramentas “velhas”.
Assim, o dilema central reside no fato de não haver ainda um conceito jurídico nem tampouco legal de IA e para outras novas tecnologias, o que dificulta sobremaneira o poder de tributar segundo o princípio da legalidade. Soma-se a isso o fato de que as discussões acadêmicas e jurídicas, nesse universo, ainda estão engatinhando aqui no Brasil, dificilmente teremos alguma mudança significativa para os próximos anos ao nível de reforma tributária.
Fonte: Tributário